terça-feira, 31 de maio de 2011

Construção (Chico Buarque)





Por apenas essa música o álbum já merecia entrar em qualquer lista de discos obrigatórios brasileiros. Não foi por acaso que a faixa-título Construção foi eleita em uma seleção de críticos da revista Rolling Stone como a melhor música brasileira de todos os tempos. E ela é a mais complexa também. Daria pra debatê-la um dia inteiro e mesmo assim faltariam elementos para descrevê-la. Tanto na parte musical, com o ritmo frenético simulando uma construção e com os arranjos sinfônicos de Rogério Duprat criando um clima sonoro onde você parece entrar dentro da música, quanto na parte gramatical da letra, com todas as frases terminando em propararoxítonas trissílabas e alternando as palavras finais em cada estrofe, mudando a intensidade com que cada parte da música conta a história do trabalhador em questão. Além da musicalidade e da gramática da música ainda daria pra debater a questão ideológica da letra onde mostra um cidadão como parte de uma engrenagem onde as pessoas são tratadas como número, como diz claramente o trecho “... morreu na contramão atrapalhando o tráfego...”.

Mas o disco não era apenas a música Construção. Vindo de um exílio na Itália Chico Buarque mostrou nesse disco que não voltou para ser mais um a se conformar com a situação crítica que o Brasil vivia naquele momento de ditadura. Com a política do “Ame ou deixe-o” a repressão, principalmente com a classe artística, era intensa. Mesmo assim Chico abre seu disco com Deus lhe Pague onde cantava “... por me deixar respirar ... por me deixar existir ... Deus lhe pague...”. Ainda havia Samba de Orly, parceria com Toquinho e Vinícius de Moraes, onde falava sobre o exílio, faixa essa que foi parcialmente censurada.

O disco continha também a música Cotidiano, que fez muito sucesso nas rádios, e uma regravação da música Gesubambino do italiano Lúcio Dalla, que na versão de Chico virou Minha História. Havia ainda as belas parcerias com Vinícius de Moraes em Desalento e Valsinha.  E o piano do Tom Jobim em Olha Maria.

O álbum Construção também foi incluído no livro americano “1001 discos para ouvir antes de morrer” de Robert Dimery, com discos recomendados por alguns dos maiores críticos mundiais. Com certeza, um disco obrigatório.


                                                                        Construção
                                                                           Cotidiano

                                                                      Samba de Orly


Disco: Construção
Artista: Chico Buarque
Ano: 1971
Destaques: Construção, Deus lhe pague, Cotidiano, Samba de Orly, Valsinha, Olha Maria.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cartola (1974 e 1976)


    

Se você que é compositor, músico, intérprete, que ainda não é reconhecido, já passou dos 30 e acha que é melhor desistir da música porque que está velho demais, não se desespere. Um dos maiores compositores da história do país foi gravar seu primeiro disco aos 66 anos. Mas valeu a pena esperar. O primeiro (1974) e o segundo disco (1976) de Cartola estão entre os maiores clássicos da música brasileira.

Eles são a prova de que uma pessoa mesmo sendo de origem simples, sem estudo, também é capaz de escrever as letras mais lindas e cantar as músicas mais belas. É impressionante a poesia na música de Cartola. E o instrumental também é maravilhoso, afinal ele estava acompanhado pela nata do samba na gravação dos seus primeiros discos.

Ele começou cedo no samba. Na década de 20 se mudou para a mangueira sendo inclusive um dos fundadores, em 1928, da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Conheceu e fez parcerias com sambistas ilustres como Carlos Cachaça e Noel Rosa. Na década seguinte foi gravado pelos maiores artistas da época como Mário Reis, Francisco Alves e Carmem Miranda. Era reconhecido até pelo Maestro Heitor Villa-Lobos, que em 1940 o convidou para fazer algumas gravações em um projeto de música popular.

Os anos seguintes foram difíceis para Cartola. Com problemas de saúde (ele contraiu meningite) e financeiros, ele sumiu por uns anos do circuito de amigos. Alguns acharam até que ele tinha morrido. Foi lavando carros que, em 1957, o jornalista Sérgio Porto (que assinava como Stanislaw Ponte Preta) o reconheceu e o ajudou a retomar sua carreira musical.

No início da década de 60 Cartola junto com Dona Zica (sua esposa) abriu o bar Zicartola, importantíssimo para a música brasileira, pois nesse bar se encontrava o pessoal da antiga geração do samba como Nelson Cavaquinho e Zé Keti, com a da nova geração daquela época como Paulinho da Viola e Elton Medeiros, além do povo da Bossa Nova, como Nara Leão.

Na década seguinte viria a consagração. Através do produtor e pesquisador musical Marcus Pereira, Cartola, em 1974, grava seu primeiro disco. Ali estão clássicos como O sol nascerá, Alvorada, Quem me vê sorrindo. No seu segundo disco, de 1976, mais uma seqüência formidável de musicas que entrariam para a história da música brasileira. O Mundo é um moinho, As rosas não falam, Cordas de Aço, além da maravilhosa gravação de Preciso me encontrar, de Candeia. Valeu a pena esperar.


                                                                 O Mundo é um moinho
                                                                   
                                                                  As Rosas não falam
 
                                                                          Alvorada
  
                                                                     O Sol nascerá

Disco: Cartola
Artista: Cartola
Ano: 1974
Destaques: O sol nascerá, Alvorada, Quem me vê sorrindo.

Disco: Cartola
Artista: Cartola
Ano: 1976
Destaques: O mundo é um moinho, As rosas não falam, Cordas de aço, Preciso me encontrar.
Indicação: Documentário Cartola - Música para os olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, de 2006.


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Racional – Volume I e Volume II ( Tim Maia )

    

No início dos anos 70 era um sucesso atrás do outro. Depois de passar alguns anos nos Estados Unidos, Tim Maia trouxe para a música brasileira a soul music que havia conhecido nesse período no exterior. Em seu primeiro disco (1970) estourou com Azul da cor do Mar, Coronel Antônio Bento e Primavera. Os discos seguintes trouxeram mais sucessos. Não quero dinheiro (Só quero amar), Gostava tanto de você, Réu confesso. Quando ele apareceu em 1975 com um disco inteiro falando sobre um livro chamado Universo em Desencanto, que pregava uma seita chamada Cultura Racional, relacionada a contatos com seres extraterrestres, liderada pelo grão mestre varonil Manoel, a gravadora (Philips) recusou a lançá-lo.

Isso não o impediu de lançar o disco. Tim Maia criou seu próprio selo, o Seroma (abreviação do seu nome Sebastião Rodrigues Maia) e entrou de cabeça na divulgação da seita. Todas as letras falavam sobre ela. Mas as letras pouco importavam. O instrumental, que era absurdo, sim. Funk e soul de primeira, como nunca se havia escutado antes no Brasil. A voz (por causa da seita Tim havia parado com as drogas) estava impecável. A divulgação do disco foi difícil, a distribuição mais ainda. Os shows praticamente eram freqüentados apenas pelo pessoal da Cultura Racional, que iam de caravanas.

Nessa fase “racional” Tim lançou dois discos. Tim Maia Racional Volume I (1975) e Racional Volume II (1976). Após não ter conseguido ver disco voador nenhum e ter se desentendido com o grão mestre varonil Manuel, Tim larga a seita alegando que era tudo um trambique. Por causa disso renega os discos e os tira de circulação. O resultado é que os discos se tornaram raríssimos, sendo procurados até hoje por colecionadores do mundo inteiro. Algumas versões piratas vendidas posteriormente do Racional Volume I incluíram as músicas Ela Partiu e Meus Inimigos, que saíram originalmente em single (1977).
             
Massacrado pela crítica na época do seu lançamento hoje os discos Racionais Vol. I e Vol. II são considerados clássicos, tendo músicas como Imunização Racional, Bom Senso, Rational Culture, Queira ou Não Queira, O Caminho do Bem, entre outras sendo regravadas, tendo suas bases sendo usadas como samplers, ou animando festas e bailes do mais alto nível. 


                                                            Quer queira ou não queira




                                                                     Rational Culture
 

                                                                 Imunização Racional 



                                                                  O Caminho do Bem



Disco: Racional Volume I
Artista: Tim Maia
Ano: 1975
Destaques: Imunização Racional, Bom Senso, Rational Culture

Disco: Racional Volume II
Artista: Tim Maia
Ano: 1976
Destaques: Queira ou Não Queira, O Caminho do Bem, Guiné Bissau Moçambique e Angola

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Bloco do Eu Sozinho (Los Hermanos)




O primeiro disco dos Los Hermanos (1999) havia sido um sucesso. O mega-hit Anna Julia tocava de velório a micareta. Até o ex-beatle George Harrison chegou a participar de uma versão em inglês da música pouco depois. Todos esperavam um segundo disco seguindo essa direção. Mais ainda a gravadora (Abril Music) que investia pesadamente em bandas e artistas populares esperando um alto retorno comercial.

Para surpresa de todos e para a felicidade dos apreciadores da boa música, os Los Hermanos evitaram essa fórmula (do disco “comercial” com músicas “vendáveis”) e produziram talvez o disco mais influente da música brasileira nos últimos anos.

Para a gravação do segundo álbum a banda se refugiou em um sítio na região serrana do Rio. Nada de telefone, internet. A sonoridade musical havia mudado consideravelmente. As guitarras ainda estavam ali, mas o samba e outros estilos como o ska e o bolero iam surgindo faixa a faixa. Quando foi entregue o CD, produzido por Chico Neves, a gravadora recusou alegando que não tinha nenhuma faixa “radiofônica” e os arranjos eram ruins. A banda bateu o pé e se recusou a regravar o disco nos moldes que a gravadora queria.

O resultado disso foi que o Bloco do Eu Sozinho (2001) foi lançado sem apoio comercial, sem grande divulgação nas rádios, sem ajuda para a produção de clipes. Mas não precisava. Graças aos shows, pequenos no início, a banda foi conquistando o público. E era um público melhor que o da época da Anna Julia. Era um público que ia para ver a obra inteira e não apenas um único hit. E que obra! Era uma música melhor que a outra. Todo Carnaval Tem Seu Fim, A Flor, Casa Pré-Fabricada, Retrato pra Iaiá, Cadê Teu Suin, Sentimental, Veja Bem Meu Bem.

Lembro que fui ao show de lançamento do Bloco do Eu Sozinho na choperia do Sesc Pompéia. Não havia escutado o disco ainda. Achei sensacional ouvir essas músicas pela primeira vez, ainda mais ao vivo. A choperia do Sesc Pompéia é um lugar democrático. Não há divisões, camarotes, áreas vips, fica todo mundo no mesmo espaço. Ali no meio do povo estava o Tom Zé. No meio do show a banda faz uma interrupção para agradecer a presença ilustre. Agradecimento merecido já que Tom Zé foi uma das grandes influências para esse disco. O Bloco tem um pouco de Estudando o Samba (1976) do próprio. Tem também um pouco da banda americana Weezer. E um pouco de Chico Buarque. Pode ser considerado o clássico da música brasileira dos anos 2000. 


 Todo Carnaval Tem Seu Fim 


Retrato pra Iaiá


Sentimental



Disco: Bloco do Eu Sozinho
Artista: Los Hermanos
Ano: 2001
Destaques: Todo o Carnaval Tem Seu Fim, A Flor, Casa Pré-Fabricada, Retrato pra Iaiá, Cadê Teu Suin, Sentimental, Veja Bem Meu Bem.



sábado, 14 de maio de 2011

Clube da Esquina (Milton Nascimento e Lô Borges)




Comecinho dos anos 70. Milton Nascimento, que alguns anos antes havia saído de Três Pontas e se estabelecido em Belo Horizonte, já tinha um certo reconhecimento. Havia sido gravado por Elis Regina (a maior cantora na época) e suas músicas faziam sucesso em Festivais Nacionais de música. A canção Travessia havia conquistado o 2° lugar no II Festival Internacional da Canção. Era um músico e cantor respeitado.

Quando ele chegou na sua gravadora (EMI-Odeon) dizendo que queria gravar um disco duplo em parceria com um rapaz desconhecido de apenas 20 anos (Lô Borges) e mais um monte de músicos (talentosos, porém também desconhecidos) a gravadora recusou. Ele era um artista conceituado. Fazer um álbum em parceria com músicos desconhecidos? E ainda por cima um álbum duplo? Era muito arriscado. Mas Milton bateu o pé. Se eles não aceitassem, iria para outra gravadora. A gravadora aceitou e no ano de 72 gravaram um dos discos mais importantes da história da música brasileira, o Clube da Esquina. Disco que inclusive consta no livro americano “1001 discos para ouvir antes de morrer” do co-fundador da Revista Rolling Stone Robert Dimery.
                                                                                                               
O nome Clube da Esquina (batizado por Marcio Borges) foi dado para aqueles rapazes que se encontravam na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, para tocar violão. Quando esses rapazes e mais alguns (Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Marcio Borges, Toninho Horta, Wagner Tiso, Tavito, Nelson Ângelo, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, entre outros) se reuniram conseguiram criar um dos álbuns mais influentes da música brasileira com suas músicas sendo regravadas até hoje por artistas nacionais e internacionais.

É difícil dizer qual a melhor música do álbum. Tudo o Que Você podia ser, Cais, Trem Azul, Nuvem Cigana, Um Girassol da Cor do Seu Cabelo, Clube da Esquina n° 2, Paisagem na Janela, Cravo e Canela, Nada Será Como Antes,Trem de Doido. Na dúvida escute todas. Muitas vezes. Vale a pena.



                                                           Tudo o que você podia ser.

                                                         
                                                                Clube da Esquina n° 2


                                                 Um Girassol da Cor do Seu Cabelo


                                                                       O Trem Azul


Disco: Clube da Esquina
Artista: Milton Nascimento e Lô Borges
Ano: 1972
Destaques: Todas as músicas.
Indicação: Livro Os sonhos não envelhecem (Márcio Borges), que conta a história do Clube da Esquina.

Respire Fundo (Walter Franco)



Sergio Dias, Arnaldo Batista, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Sivuca, João Donato, Altamiro Carrilho, Luisão Maia, Wagner Tiso, Chico Batera, Jaques Morelenbaum em um mesmo disco. Seria uma coletânea de “grandes artistas da música brasileira”? Na verdade não. Todo esse povo e mais um monte de músicos que fizeram parte da história da música brasileira se encontram fazendo o instrumental dessa obra-prima que é o Respire fundo, clássico de Walter Franco.

Esse disco, gravado em 78, consegue conciliar as maravilhosas letras de Walter Franco com um instrumental feito pelo que havia de melhor naquela época. O resultado não poderia ser melhor. O disco abre com a música que lhe dá o nome, Respire Fundo, que parece lhe transportar para uma outra dimensão assim que começam os primeiros acordes. Em apenas uma frase “Tudo é uma questão de manter...a mente quieta...a espinha ereta...e o coração tranqüilo” a música Coração Tranquilo explica tudo. E não fica só nisso. Ainda tem as maravilhosas Lindo Blue, Até Breve, Criaturas, Plenitude. Com certeza um disco obrigatório

                                                         
                                                                     Respire Fundo.


                                                    
                                                           Coração Tranquilo, ao vivo.


Disco: Respire fundo
Artista: Walter Franco
Ano: 1978
Destaques: Respire Fundo, Coração Tranqüilo, Lindo Blue, Criaturas.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Tábua de Esmeralda (Jorge Ben)



Quem está acostumado a ver Jorge Ben Jor com a sua guitarra fazendo shows elétricos e deixando ninguém parado talvez não saiba que teve uma época em que ele tocava somente violão. Uma época que ele ainda era apenas Jorge Ben. Mas não era apenas um cara tocando violão. Ele inventou um modo de tocar. Era algo totalmente novo, que as pessoas nunca haviam visto antes. Não era samba, não era rock, com uma mão direita absurda batendo nas cordas em vez de dedilhá-las e às vezes usando uma afinação que ninguém entendia.  

Para se ter uma idéia, na década de 70, André Midani organizou um encontro de músicos brasileiros para recepcionar Eric Clapton, que estava de visita ao Brasil. Começou a rolar uma jam com todo mundo tocando violão. Aos poucos quem não conseguia acompanhar ia saindo da roda. No final ficaram só Eric Clapton, Jorge Ben e Gilberto Gil. O deus da guitarra pediu arrego, saiu da roda e ficou boquiaberto vendo Jorge e Gil fazerem miséria com seus violões. Desse encontro surgiu a inspiração de outro disco clássico (Gil & Jorge - Ogum Xangô) que saiu pouco depois.

Mas voltando ao assunto o ponto alto desse violão mágico do Jorge Ben saiu em 74. Influenciado pelos estudos na alquimia ele lança o Tábua de Esmeralda. Clássico dos clássicos da música brasileira. Não tem uma música ruim. É aquele disco que você ouve do início ao fim sem pular nenhuma faixa. Várias músicas desse álbum viraram clássicos da música brasileira como Os Alquimistas estão chegando, Menina Mulher da Pele Preta, Zumbi, Cinco Minutos, Homem da Gravata Florida, O Namorado da Viúva, etc.
Se um dia aparecer aquele cara chato que faz mil escalas por segundo e se acha o melhor violonista do mundo pede para ele tocar qualquer música desse álbum. Essa vai ser sua prova de fogo.


Vídeo da música "Os Alquimistas estão chegando"


Vídeo da música "O namorado da Viúva"



Disco: Tábua de Esmeralda
Artista: Jorge Ben
Ano: 1972
Destaques: Todas as músicas.