terça-feira, 5 de março de 2013

Acabou Chorare (Novos Baianos) - Entrevista com Galvão.


 

Depois de gravar o álbum com influências roqueiras É ferro na boneca um grupo do qual faziam parte Moraes Moreira, Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Pepeu Gomes, Luiz Galvão, Paulinho Boca de cantor, Dadi Carvalho e Jorginho Gomes sai (em plena época de ditadura) de um apartamento no Rio para irem morar todos (junto com parentes e amigos) em um sítio em Jacarepaguá, com a missão de gravar um disco e jogar futebol. Mas agora não seria só rock. Com a influência de João Gilberto que havia lhes apresentado o samba de “verdade” Brasil Pandeiro de Assis Valente e teria dito “vocês precisam voltar pro caminho de casa” agora também apareceria o samba, o choro e o baião. O resultado disso seria lançado em 1972, com o nome de Acabou chorare.

Além da gravação da citada "Brasil pandeiro" o álbum desfila clássico atrás de clássico. "Preta pretinha", "Tinindo trincando", "Swing de Campo Grande", "Acabou chorare", "A menina dança", "Mistério do planeta", "Besta é tu". Em 2007, em uma eleição dos “100 melhores discos brasileiros de todos os tempos” feita por estudiosos, produtores e jornalistas para a revista Rolling Stone Acabou chorare ficou em primeiro lugar. Para falar melhor sobre essa obra-prima entrevistamos Luiz Galvão, compositor responsável por quase todas as letras do álbum.

                                          Luiz Galvão


DO - A mudança de sonoridade do primeiro disco "É ferro na boneca" (mais rock´n roll) para o segundo "Acabou Chorare" (onde estavam presentes o samba, o choro e o baião) é enorme. Em algumas entrevistas e no documentário "Filhos de João, o admirável Mundo Novo Baiano" de Henrique Dantas é apontada a influência de João Gilberto (que chegou a visitar o grupo antes da gravação do 2º álbum) nessa mudança radical. Essa mudança sonora pode ser creditada 100% a João ou vocês já estavam buscando outros caminhos e ele só deu o chute na bola quicada?

Galvão - Novos Baianos. O nome já tem o novo de novo e também de baiano. Mesmo o disco “Ferro na Boneca” sendo roqueiro, tinha o nosso jeito baiano com cara de interior. Eu falei que ele (João Gilberto) precisava conhecer os outros Novos Baianos, e ele respondeu que já conhecia muita gente, e não queria conhecer mais ninguém. Insisti tanto que ele atendeu e mandou que eu o levasse ao apartamento, Baby, Paulinho Boca e Moraes. Lá João Gilberto disse: "Vocês precisam voltar pro caminho de casa", e tocou Brasil Pandeiro e outros sambas antigos.

DO- Como era o processo de composição de vocês? Cada um fazia uma parte e depois juntava tudo? Ou enquanto o Moraes mostrava uma melodia você já criava uma letra, o Pepeu fazia um solo, ia saindo tudo de maneira orgânica?

Galvão - Na maioria das canções eu fazia a letra primeiro. Mas também teve algumas que Moraes fez as músicas e eu coloquei a letra depois. E tiveram outras que a música e a letra foram feitas juntas na mesma hora. Pepeu fazia os arranjos, e depois com o tempo passou a participar da parceria.

DO - A mudança da cidade para um sítio mudou de que maneira o modo de vocês comporem? São famosas as histórias das adaptações como a do técnico de som Paulo César Salomão que utlizou peças da televisão na guitarra de Pepeu criando um timbre único, que pode ser percebido no solo clássico de "Mistério do Planeta". Você acha que se não fosse por esse clima, dos músicos morando, ensaiando e criando juntos teria esse trabalho tão marcante? 

Galvão - É claro que o ambiente agradável do sítio nos fez bem, as árvores ajudaram, os passarinhos cantando cedinho, a vizinhança, a simplicidade do povo, o futebol no campinho. Tinha menos falta que na sala do apartamento. Todo dia tinha ensaio e no final da tarde o baba (jogo) de futebol. Salomão morando junto quebrava qualquer galho do som. A gente tocava até em cima da casa se fosse preciso, e ensaio era show particular.

DO - Uma das principais características dos Novos baianos era de ter três vocalistas (Moraes Moreira, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor) com estilos bem marcantes de cada um. Como era definido qual vocal ia cantar cada música? Isso já era decidido na hora de compor ou não, depois de pronta a música é que isso era decidido?

Galvão - Eu e Moraes estávamos fazendo a direção artística e musical, mas Baby ia ficar calada? Paulinho e Jorginho também davam palpite. Algumas vezes quem ia cantar era decidido antes e em outras depois. 

DO - A regravação de "Brasil pandeiro" de Assis Valente foi um dos maiores sucessos do disco e até hoje é muito tocada. Quando João Gilberto a sugeriu causou um estranhamento ou vocês aceitaram logo de cara regravar essa música?

Galvão - Ele tocou “Brasil Pandeiro” para a gente e nós ficamos encantados de uma forma tal que não podia dar em outra.

DO - O álbum "Acabou Chorare" foi um sucesso de vendas e sucesso também nas rádios onde músicas como "Preta, pretinha", "Acabou chorare" e "Besta é tú" ficaram entre as mais tocadas por meses. Mas parece que não houve muitos shows na época do lançamento. Qual foi o motivo?

Galvão - Nós tínhamos deixado o Marcos Lázaro (ex-empresário), mas ainda tínhamos contrato com ele, o que nos deixou com um pé no freio da ousadia. Mas a ousadia foi mais forte e resolvemos ir à luta. Teve algo interessante que foi termos marcado um jogo com o time profissional do Botafogo do Rio de Janeiro, e o programa da TV Globo “Fantástico” nos convidou. Nós dissemos que só poderíamos ir depois do jogo. A felicidade foi que o diretor (Luis Carlos Miéle) era botafoguense e deu um jeito de gravarmos à noite.

DO - O álbum fez grande sucesso entre o público. E entre os músicos da época, qual foi a repercussão? Havia meio que uma divisão entre a música brasileira tradicional (violão) e a que vinha de fora (guitarra). Como ficou os Novos Baianos (que na sua música continha elementos das duas vertentes) nesse ambiente?

Galvão - Até João Gilberto aprovou. E “Novos Baianos” fazia como queria, o importante era o resultado, ter ficado perfeito.

DO - Em 2007, em uma eleição dos "100 maiores discos da música brasileira" realizada pela revista Rollingstone, "Acabou Chorare" ficou em primeiro lugar. Esse resultado te pegou de surpresa ou você já esperava por esse reconhecimento?

Galvão - Os Novos Baianos se sentiam “o cara” e sabíamos com consciência o que tínhamos feito. Sem dúvidas, mais que todo mundo, que o que fazíamos era ouro.

DO - No youtube você encontra muitos comentários de estrangeiros, encantados pela musicalidade do grupo, principalmente nos vídeos do documentário feito pelo Solano Ribeiro. Como você vê esse interesse de fora pela música dos Novos Baianos? Você chegou a dar muitas entrevistas para veículos do exterior? Quais as principais perguntas desses jornalistas?

Galvão - Demos algumas, o André Matarazzo até quis nos levar para os Estados Unidos. Ele me deu dois bilhetes, um para mim e outro para a intérprete Liliane, mas eu me contrariei com alguma coisa e devolvi os bilhetes e o dinheiro da hospedagem.

DO - Agradecemos muito a entrevista. Para finalizar, o que você indica para quem quiser conhecer melhor a obra dos Novos Baianos (filmes, livros, sites, blogs)?

Galvão - Além dos filmes e livros citados, aguardem o filme documentário contando minha história e os livros que tenho prontos “Novos Baianos por Galvão” que está saindo em maio pela Editora Azuli (Romanceado) e “Umbuzeiro Doce e Azedo” (Romance). O meu blog (www.osnovosbaianos.wordpress.com) é muito visitado. Minha esposa Janete Galvão é que trata dessa parte, eu só cuido da arte. Abraços. Galvão.

                                                   Brasil Pandeiro

                                                               Preta,pretinha

                                                           MIstério do Planeta 

                                                           A Menina dança

                                                          Besta é tú


Disco: Acabou Chorare
Artista: Novos Baianos
Ano: 1972
Destaques: Todas as músicas.