Depois de
gravar o álbum com influências roqueiras É ferro na boneca um grupo do qual
faziam parte Moraes Moreira, Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Pepeu Gomes,
Luiz Galvão, Paulinho Boca de cantor, Dadi Carvalho e Jorginho Gomes sai (em
plena época de ditadura) de um apartamento no Rio para irem morar todos (junto
com parentes e amigos) em um sítio em Jacarepaguá, com a missão de gravar um
disco e jogar futebol. Mas agora não seria só rock. Com a influência de João
Gilberto que havia lhes apresentado o samba de “verdade” Brasil Pandeiro de
Assis Valente e teria dito “vocês precisam voltar pro caminho de casa” agora
também apareceria o samba, o choro e o baião. O resultado disso seria lançado
em 1972, com o nome de Acabou chorare.
Além da gravação
da citada "Brasil pandeiro" o álbum desfila clássico atrás de clássico. "Preta pretinha", "Tinindo trincando", "Swing de Campo Grande", "Acabou chorare", "A
menina dança", "Mistério do planeta", "Besta é tu". Em 2007, em uma eleição dos
“100 melhores discos brasileiros de todos os tempos” feita por estudiosos,
produtores e jornalistas para a revista Rolling Stone Acabou chorare ficou em
primeiro lugar. Para falar melhor sobre essa obra-prima entrevistamos Luiz
Galvão, compositor responsável por quase todas as letras do álbum.
Luiz Galvão
DO - A mudança de sonoridade do primeiro disco "É ferro na
boneca" (mais rock´n roll) para o segundo "Acabou Chorare" (onde
estavam presentes o samba, o choro e o baião) é enorme. Em algumas entrevistas
e no documentário "Filhos de João, o admirável Mundo Novo Baiano" de
Henrique Dantas é apontada a influência de João Gilberto (que chegou a visitar
o grupo antes da gravação do 2º álbum) nessa mudança radical. Essa mudança
sonora pode ser creditada 100% a João ou vocês já estavam buscando outros
caminhos e ele só deu o chute na bola quicada?
Galvão - Novos Baianos. O nome já
tem o novo de novo e também de baiano. Mesmo o disco “Ferro na Boneca” sendo
roqueiro, tinha o nosso jeito baiano com cara de interior. Eu falei que ele
(João Gilberto) precisava conhecer os outros Novos Baianos, e ele respondeu que
já conhecia muita gente, e não queria conhecer mais ninguém. Insisti tanto que
ele atendeu e mandou que eu o levasse ao apartamento, Baby, Paulinho Boca e
Moraes. Lá João Gilberto disse: "Vocês
precisam voltar pro caminho de casa", e tocou Brasil Pandeiro e outros
sambas antigos.
DO- Como era o processo de composição de vocês? Cada um fazia uma parte
e depois juntava tudo? Ou enquanto o Moraes mostrava uma melodia você já criava
uma letra, o Pepeu fazia um solo, ia saindo tudo de maneira orgânica?
Galvão - Na maioria das canções eu
fazia a letra primeiro. Mas também teve algumas que Moraes fez as músicas e eu
coloquei a letra depois. E tiveram outras que a música e a letra foram feitas
juntas na mesma hora. Pepeu fazia os arranjos, e depois com o tempo passou a
participar da parceria.
DO - A mudança da cidade para um sítio mudou de que maneira o modo de
vocês comporem? São famosas as histórias das adaptações como a do técnico de
som Paulo César Salomão que utlizou peças da televisão na guitarra de Pepeu
criando um timbre único, que pode ser percebido no solo clássico de
"Mistério do Planeta". Você acha que se não fosse por esse clima, dos
músicos morando, ensaiando e criando juntos teria esse trabalho tão marcante?
Galvão - É claro que o ambiente agradável do sítio nos
fez bem, as árvores ajudaram, os passarinhos cantando cedinho, a vizinhança, a
simplicidade do povo, o futebol no campinho. Tinha menos falta que na sala do
apartamento. Todo dia tinha ensaio e no final da tarde o baba (jogo) de
futebol. Salomão morando junto quebrava qualquer galho do som. A gente tocava
até em cima da casa se fosse preciso, e ensaio era show particular.
DO - Uma das principais características dos Novos baianos era de ter
três vocalistas (Moraes Moreira, Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor) com
estilos bem marcantes de cada um. Como era definido qual vocal ia cantar cada
música? Isso já era decidido na hora de compor ou não, depois de pronta a
música é que isso era decidido?
Galvão - Eu e Moraes estávamos
fazendo a direção artística e musical, mas Baby ia ficar calada? Paulinho e
Jorginho também davam palpite. Algumas vezes quem ia cantar era decidido antes
e em outras depois.
DO - A regravação de "Brasil
pandeiro" de Assis Valente foi um dos maiores sucessos do disco e até hoje
é muito tocada. Quando João Gilberto a sugeriu causou um estranhamento ou vocês
aceitaram logo de cara regravar essa música?
Galvão - Ele tocou “Brasil
Pandeiro” para a gente e nós ficamos encantados de uma forma tal que não podia
dar em outra.
DO - O álbum "Acabou Chorare" foi um sucesso de vendas e sucesso
também nas rádios onde músicas como "Preta, pretinha", "Acabou
chorare" e "Besta é tú" ficaram entre as mais tocadas por meses.
Mas parece que não houve muitos shows na época do lançamento. Qual foi o
motivo?
Galvão - Nós tínhamos deixado o Marcos
Lázaro (ex-empresário), mas ainda tínhamos contrato com ele, o que nos deixou
com um pé no freio da ousadia. Mas a ousadia foi mais forte e resolvemos ir à
luta. Teve algo interessante que foi termos marcado um jogo com o time
profissional do Botafogo do Rio de Janeiro, e o programa da TV Globo
“Fantástico” nos convidou. Nós dissemos que só poderíamos ir depois do jogo. A
felicidade foi que o diretor (Luis Carlos Miéle) era botafoguense e deu um
jeito de gravarmos à noite.
DO - O álbum fez grande sucesso entre o público. E entre os músicos da
época, qual foi a repercussão? Havia meio que uma divisão entre a música
brasileira tradicional (violão) e a que vinha de fora (guitarra). Como ficou os
Novos Baianos (que na sua música continha elementos das duas vertentes) nesse
ambiente?
Galvão - Até João Gilberto aprovou. E “Novos Baianos” fazia
como queria, o importante era o resultado, ter ficado perfeito.
DO - Em 2007, em uma eleição dos "100 maiores discos da música
brasileira" realizada pela revista Rollingstone, "Acabou
Chorare" ficou em primeiro lugar. Esse resultado te pegou de surpresa ou
você já esperava por esse reconhecimento?
Galvão - Os Novos Baianos se sentiam “o cara”
e sabíamos com consciência o que tínhamos feito. Sem dúvidas, mais que todo mundo,
que o que fazíamos era ouro.
DO - No youtube você encontra muitos comentários de estrangeiros,
encantados pela musicalidade do grupo, principalmente nos vídeos do
documentário feito pelo Solano Ribeiro. Como você vê esse interesse de fora
pela música dos Novos Baianos? Você chegou a dar muitas entrevistas para
veículos do exterior? Quais as principais perguntas desses jornalistas?
Galvão - Demos algumas, o André
Matarazzo até quis nos levar para os Estados Unidos. Ele me deu dois bilhetes,
um para mim e outro para a intérprete Liliane, mas eu me contrariei com alguma coisa
e devolvi os bilhetes e o dinheiro da hospedagem.
DO - Agradecemos muito a entrevista. Para finalizar, o que você indica
para quem quiser conhecer melhor a obra dos Novos Baianos (filmes, livros,
sites, blogs)?
Galvão - Além dos filmes e livros citados,
aguardem o filme documentário contando minha história e
os livros que tenho prontos “Novos Baianos por Galvão” que está saindo em maio pela
Editora Azuli (Romanceado) e “Umbuzeiro Doce e Azedo” (Romance). O meu blog (www.osnovosbaianos.wordpress.com)
é muito visitado. Minha esposa Janete Galvão é que trata dessa parte, eu só cuido
da arte. Abraços. Galvão.
Brasil Pandeiro
Preta,pretinha
MIstério do Planeta
A Menina dança
Besta é tú
Disco: Acabou Chorare
Artista: Novos Baianos
Ano: 1972
Destaques: Todas as músicas.
Muito boa a entrevista. Legal saber que até o João Gilberto os aprovava!
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