quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Secos & Molhados (1973) - Entrevista com Gerson Conrad

        

 



Presente em dez de cada dez listas de melhores discos da MPB o primeiro disco do Secos & Molhados, lançado em 1973, pode ser considerado um disco obrigatório na música brasileira. O grupo formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad (o baterista Marcelo Frias também aparece na famosa capa do álbum, onde as cabeças dos integrantes são servidas em bandejas, mas na época lançamento do disco já havia se desligado do grupo) revolucionou o cenário musical da época. Com apresentações performáticas de seus integrantes maquiados, com sua mistura de MPB, rock progressivo, baião, psicodelia, música portuguesa, entre outros estilos o grupo bateu recordes de vendas chegando a vender 1 milhão de cópias em uma época onde os discos mais vendidos batiam na casa dos 50 mil, e chegou a fazer shows históricos como o do Maracanãzinho, onde 30 mil pessoas lotaram o ginásio e outras milhares ficaram do lado de fora.

Não faltam clássicos nesse disco. Ele já começa com a sequência de Sangue Latino e O vira, que junto com Rosa de Hiroshima foram as músicas que fizeram mais sucesso. Mas ainda havia Assim Assado, O patrão nosso de cada dia, Amor, Primavera nos dentes, Fala ... definitivamente um disco que você poderia ouvir na íntegra, sem pular nenhuma faixa. Segue abaixo uma entrevista com Gerson Conrad, onde ele conta detalhes sobre esse disco clássico.

 
Gerson Conrad


DO - Como foi o processo de formação dos Secos & Molhados até chegar na
considerada formação “clássica” (Ney Matogrosso, Gerson Conrad, João Ricardo)?
GC - O grupo começou de um sonho de garotos, João e eu. Éramos vizinhos de mesma rua e calçada e logo descobrimos que tínhamos uma profunda identidade e gosto musical. Na verdade nossa primeira incursão enquanto grupo chamou-se "Eric Expedição". Era um trio acustico, dois violões, percussão e vozes. Essa formação teve vida curta. Pouco tempo depois eu estava às voltas com as obrigações de serviço militar e João, então, formou um grupo com um músico chamado Pitoco, que tocava violão e uma viola de dez cordas. Essa formação também durou pouco, pois eu logo voltei a integrar o grupo, e foi aí que conhecemos o Ney, que nos foi apresentado pela Luhli, cantora e compositora carioca que havia se tornado amiga nossa. 
DO - Nas gravações vocês já tinham idéia de que aquele se tornaria um disco clássico da música brasileira, presente em 10 de cada 10 listas de melhores discos nacionais de todos os tempos?
GC - Sabíamos que trilhávamos um caminho criativo de composições próprias. Isso nos dava uma condição diferenciada em relação aos grupos contemporâneos que normalmente apresentavam um trabalho "cover". Intuitivamente, posso afirmar que apostávamos nisso. 
DO - De cara vocês chamaram a atenção também pelos figurinos, maquiagens e apresentações performáticas. Inclusive a capa do disco (com as cabeças dos integrantes maquiadas sendo servidas em bandejas em cima de uma mesa) já foi considerada como a melhor capa de um disco nacional. Como se deu a idéia dessa "revolução visual" do grupo? 
GC - Não só é considerada a melhor capa de disco nacional como está entre as 50 melhores capas de discos de toda américa latina. A idéia e criação da capa é de autoria do fotógrafo Antonio Carlos Rodrigues. 

DO - O disco, além dos integrantes originais, teve a participação de músicos como Willy Verdaguer, Zé Rodrix e John Flavin. Como se deu o contato com esses músicos? Vocês já se conheciam?

GC - Willy Verdaguer, Marcelo Frias, John Flavin, Emilio Carrera e Sergio Rosadas integravam a banda que nos acompanhava. Nós os conhecemos logo após nossa primeira apresentação no espaço Casa de Badalação e Tédio.  Zé Rodrix  teve uma participação como arranjador e músico convidado, na canção "Fala", porque havia se tornado um amigo.

DO - O disco atingiu todos os públicos: crianças, intelectuais, hippies, engajados. Vendeu mais de 1 milhão de cópias. Havia acontecido algo parecido antes?

GC - Atingimos um público de A a Z ou, dos 8 aos 80. Fomos um divisor de águas para a industria fonográfica da época. Ganhava-se disco de ouro com a marca de 50.000 cópias por ano naqueles tempos. Os Secos & Molhados surpreenderam o mercado atingindo mais de 350 mil cópias vendidas no chamado período de lançamento do LP, ou disco. Logo, não havia nada parecido antes.

DO - E como foram os históricos shows no Maracanãzinho, com 30 mil pessoas presentes - além das outras milhares do lado de fora?

GC - O Maracanãzinho foi um marco na trajetória do grupo. Foi a primeira vez no país que um só grupo lotou um ginásio daquele tamanho. Relatos de números de público assim só haviam acontecido em festivais de música daqui. Mas o grupo já vinha dando sinais de grande concentração de público em algumas cidades brasileiras. Em Belo Horizonte e Brasília, por exemplo, já havíamos levado um público entre dez e quinze mil pessoas antes do referido e histórico show.

DO - Qual era a relação do Secos & Molhados e a ditadura, na época do lançamento do disco?

GC- (risos) De repressão e repreensão, naturalmente. Não era diferente para os S&Ms. Vivíamos uma ditadura ferrenha nesses tempos e a censura nos vigiava de perto.

DO - Nesse álbum nota-se a presença de influências de diversos estilos musicais como MPB, psicodelismo, baião, blues, glam rock, música portuguesa. Essas influências foram assimiladas naturalmente ou existia uma proposta inicial dessa fusão? Vocês tiveram alguma influência da Tropicália?

GC - A proposta do grupo era eclética em sua essência. Éramos abertos a todos os gêneros musicais. O que fizemos foi ousar.
 
 DO - Vocês também inovaram musicando poesias de Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, João Apolinário. Como surgiu essa idéia de relacionar música e literatura?
 
GC - Desde a formação do grupo, essa era a idéia: musicar grandes nomes da literatura, além das criações proprias. E assim fizemos.

DO - Uma das músicas que fizeram mais sucesso inclusive foi “Rosa de Hiroshima”, poesia de Vinícius de Moraes que você musicou. Era uma poesia que você já conhecia anteriormente ou você a veio conhecer especificamente para esse trabalho no disco? O que o próprio Vinícius achou quando ouviu sua poesia em forma de música?


GC - Conheci o poema quando tive a oportunidade de ler uma antologia poética sobre o poeta Vinícius de Moraes. Segundo o autor, o poema estava perdido em meio a essa antologia. Vinícius me agradeceu por ter, segundo ele, dado a "oportunidade de eternizar a obra ao musicá-la".


                                             Sangue Latino / O vira


                                            Rosa de Hiroshima


                                            Amor

                                            Fala  
  


Disco: Secos & Molhados
Artista: Secos & Molhados
Ano: 1973
Destaques: Todas as músicas.

5 comentários:

  1. Muito boa a entrevista! Legal falar com o cara, saber as coisas mais de perto de como foi a produção do disco.

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    1. Realmente, Thiago, estes detalhes contados por quem participou da obra fazem toda a diferença.

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  2. Oi, Marcello, tudo bem? Gostei muito dos seu blog e concordo em gênero, número e grau com a escolha dos Secos e Molhados nessa lista. Esse disco já começa na capa a mostrar sua originalidade!

    Na minha lista de discos imperdíveis está também o Matita Perê, do Tom. A gravação de Águas de Março é, na minha opinião, a melhor, superando o famoso dueto com a Elis.

    Aproveito pra convidá-lo a conhecer meu blog. Acho que temos boas trocas a fazer! www.10perolas.blogspot.com.br

    Grande abraço!

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    1. Oi, Letícia, parabéns pelo seu blog. E o Matita Perê realmente é um discão. Abçs

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  3. Concordo com o autor, é um dos melhores discos produzidos no Brasil.
    Não consegui identificar nas músicas o baião a que você se refere.

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